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Capítulos de 10 à 13 " Regressão"

Capítulo X



A Regressão IV


        Você, agora, está envolto em uma luz. Toda essa luz vai deixando-o seguro. Uma tranqüilidade, que você nem sabe de onde saiu, invade sua alma. Sua respiração vai ficando cada vez mais tranqüila e profunda. Agora, você vê uma imensa bola de luz branca. Ela vem em sua direção, em voraz velocidade. Quando você pensa que ela irá chocar-se contra você, ela pára, instantaneamente, em sua frente e, você a observa como algo sublime. Por enquanto, você não pode tocá-la, apenas contemplá-la. Agora, ela dança estranhamente em sua frente  e você acompanha a sua dança com o olhar. Sua respiração corporal está cada vez mais lenta e profunda. Seu espírito está quase inteiramente em seu passado. Dez. nove. Oito. Sete. Seis. Lembre-se: não existe do que ter medo, pois são apenas imagens, ninguém pode tocá-lo ou machucá-lo. Está tudo em sua mente. Não existe dor, apenas descobertas que irão livrar-lhe de seus traumas. Cinco. Quatro. Três. Dois. Não se esqueça, se em algum momento você sentir medo ou ficar acuado, não hesite em abrir os olhos. Boa viagem! Um.


A Transição IV

Encontro-me novamente neste transe. A luz quase me ofusca a visão. Sinto-me sozinho demais neste momento. Desta vez, eu estou predestinado a ver tudo sobre o meu passado. Não vou sair com as mãos abanando desta regressão. Desta vez, eu vou ir até o fim; não importa o que eu veja.
Agora, as luzes formam mosaicos coloridos e a neblina começa a se formar a minha volta. Eu observo os mosaicos, que não produzem forma alguma.
Neste momento, sinto um gosto de saudade e um cheiro gostoso de passado. Começo a sentir-me mais livre e tranqüilo. Escuto, então, a voz do hipnotizador dizendo-me:
    Agora, você verá a sua última existência do princípio ao fim. Lembre-se: desta vez, serão flashes ordenados, portanto, procure não interromper o seu andamento. Mas, se você se sentir acuado ou com medo, tudo que tem a fazer é abrir os olhos.

O Trabalho II

Estou novamente naquela antiga cena da obra. Vejo Bernardi conversando com Jean. Me aproximo dos dois para tentar ouvi-los. A conversa começa a ficar mais nítida. Desta vez, eles parecem estar conversando amigavelmente.
        Bernardi, tu estás te sentindo bem? – Pergunta Jean, com medo da resposta.
        Eu não sei o que pensar. – Responde Bernardi, com aparência atordoada.
        Tu podes desabafar comigo, meu irmão. – Tenta Jean, descobrir o que se passa com Bernardi.
        Eu estou com uma certa desconfiança a respeito da fidelidade de Glória.
Jean arregala os olhos, mas tenta disfarçar. Ele percebe que Bernardi desconfia de Glória, mas para estar lhe contando, não deve ter desconfiança dele. Jean tenta continuar o assunto para conseguir mais informações.
        Mas, meu irmão, por que duvidas da fidelidade de tua esposa? Ela me parece muito devota a ti. Eu não poderia conceber tal ato vindo de uma criatura tão doce como Glória. – Diz Jean, com a intenção de descobrir quais são as desconfianças de Bernardi.
        Não sei. Já ouvi comentários de vizinhos. – Diz Bernardi, olhando para o chão.
        Pelo amor de Deus, Bernardi! Tu sabes o quanto são intrigueiros os teus vizinhos, meu irmão.
        Eu sei, mas eles não me falaram diretamente. Eles falam por aí, em bares, armazéns, no barbeiro. Tu sabes, marido traído é sempre o último a saber. Não viu o caso do Pedro? Há anos a mulher dele o traía e ele soube muito depois. Aí, ele lavou a sua honra com o sangue da sem-vergonha e do tirano.
Tal comentário faz com que Jean engula a seco a saliva. Mas, ele tenta convencê-lo de que esta idéia não seria a mais adequada ao caso.
        Bernardi, primeiro tenha certeza do que está ocorrendo para depois tomar uma atitude. Lavar a honra com sangue só é válido se tu tiveres certeza do que estás fazendo.
        Sim, mas se eu tiver certeza, não hesitarei em fazer.
        Mas, eu não posso conceber. Qualquer uma, menos Glória. – Defende Jean.
        Eu também não acreditava que fosse possível, mas analisando alguns fatos, eu começo a não duvidar dos boatos.
        Que fatos? – Pergunta Jean, tentando não transparecer sua angústia.
        Ela sai à tarde quase todos os dias. Esta cidade é pequena e, ninguém a vê antes das cinco horas da tarde. Hás de convir que é muito estranho.
        Tudo bem. Mas, isso não é motivo para desacreditar em alguém. Tenta remediar Jean.
        Não é só isso. Ela anda muito estranha comigo em casa. Sabes há quanto tempo ela não quer fazer amor comigo?
 Jean não diz nada. Ele só balança a cabeça em um gesto negativo e, Bernardi, então, conclui:
        Dois meses e meio. Ela está sempre com dor de cabeça ou cansada. Até que eu tive uma conversa com ela para descobrir o que estava acontecendo. Sabe o que ela me disse?
Jean permanece calado e, novamente, faz o gesto com a cabeça. Bernardi, logo, dá a resposta.
        Ela me disse que perdera o interesse por fazer amor. Ela culpa a monotonia do casamento.
        E por que ela estaria mentindo? – Questiona Jean.
        Olha, Jean, fui eu quem desvirginou-a e, desde então, ela sempre foi muito fogosa. Ela sempre foi a mulher ideal, recatada para a sociedade e fogosa com o marido.
        Realmente, eu jamais imaginaria que Glória fosse fogosa, pois ela faz um gênero tão doce e reservado. Mas, agora entendo por que tu nunca procuraste uma relação fora do matrimônio. – Diz Jean.
        Sim, nunca tive tal necessidade. Eu sempre tive tudo em casa. Mas, de uns tempos para cá, as coisas estão diferentes. – Conclui Bernardi.
        Mas, se acalme Bernardi. Esfrie a cabeça e pense com calma. Não deixe que o instinto tome conta de seus atos. – Aconselha Jean.
A cena termina. Sou retirado bruscamente de lá. Não imagino o que verei agora, mas estou preparado para ver tudo o que puder.


A Gruta

Entro em uma nova cena. Estou na gruta que, pelo o que pude entender, é o ponto de encontro de Jean e Glória. Os dois estão deitados no chão, sobre o casaco de Jean, conversando abraçados e bem íntimos. Vejo, também, um homem que os observa como um bisbilhoteiro. Me aproximo do tal homem e, sua fisionomia começa a tomar uma forma familiar. Bernardi assiste à cena e não toma nenhuma atitude que dissera que tomaria. Ele está com um semblante de ódio no rosto. Enquanto isso, Jean e Glória continuam a sua história de amor.
        Estive conversando com Bernardi ontem. Ele desabafou sobre o seu casamento. – Diz Jean.
        O que ele disse? – Pergunta Glória, apavorada.
        Ele falou que desconfia da tua fidelidade... E fala em lavar a honra com sangue, se descobrir tal fato.
        Jean, ele é capaz de fazer isso mesmo. Ele possui uma arma, que deixa no criado-mudo. Eu o questionei a respeito e ele disse que era para proteção da casa. – Diz Glória, com os olhos cheios de lágrimas.
        Mas, a maior desconfiança começou porque tu paraste de dormir com ele. Ele disse que tu começastes a dar desculpas para não ir para a cama com ele e, quando questionou-te a respeito, tu disseste que a monotonia do casamento a fizera desinteressar-se por fazer amor. Mas, tuas palavras não o fizeram acreditar em ti.
        Jean, nós não podemos mais nos ver.
        Não me diga isso, Glória. Eu não poderia viver longe de ti.
        Nem eu de ti. Mas, prefiro afastar-me de ti do que vê-lo morto, meu amor!
        Glória, eu prefiro morrer a te perder...
        Jean! Não digas besteiras, meu amor! Nós nos encontraremos num lugar distante, onde ninguém, nem Bernardi poderá nos encontrar. – Consola Glória.
        E que lugar é esse? – Pergunta Jean, desesperado.
        Eu não sei. Mas, o amor vai além da vida. Nem mesmo a morte nos separará. Quando o nosso encontro acontecer, tu verás um sinal e me reconhecerá.
Ao dizer isso, o cabelo de Glória cai para o lado esquerdo, deixando o pescoço nu. Eu não acredito! Eu vejo, mas não acredito! Ela tem um sinal de nascença no pescoço no formato de uma pequena estrela. Exatamente igual à tatuagem que Natasha tem no pescoço. Então, Natasha é Glória! O lugar distante que Glória se refere é a nova encarnação. Meu Deus! Tudo começa a fazer sentido agora...
Jean e Glória despedem-se e, Bernardi vai embora para que não seja visto. Ele parece ter outros planos para Jean e Glória.

O Dia “D”

Agora, eu me encontro na casa de Bernardi e Glória. Eu estou atravessando a sala da casa. Neste momento, eu escuto um grito desesperado de Glória. Corro em direção ao quarto, onde ocorre a discussão. Meu Deus! Vejo Bernardi com uma arma na mão. Ele gesticula para todos os lados com a arma em punho e grita:
         Tu não poderias me trair! Te falta alguma coisa, sua mundana? Eu deixei te faltar alguma coisa? Nem jóias te falta. O que mais tu queres?
Glória chora sem se defender, em momento algum. Ela parece aceitar tudo o que ele diz.
        Responda-me, infiel! Tu não mereces viver. Me trair com o meu próprio sangue, eu não posso admitir. Eu fui duplamente traído. Fui  traído por ti e pelo canalha do meu irmão. O que eu fiz para merecer isso? Hein? – Discursa Bernardi.
Bernardi aponta a arma para a cabeça de Glória. Ele continua falando:
        Me desculpe, Glória, mas vocês não me deixaram outra alternativa, a não ser a de lavar a minha honra com sangue.
Bernardi chora muito. Ele tem dificuldade para puxar o gatilho, parece já estar arrependido. Mas, ele não abaixa a arma em nenhum momento. Meu Deus! Ele atirou na cabeça de Glória. É a cena mais horrível que eu já vi na vida. O rosto de Glória está completamente desfigurado, exatamente igual a um dos sonhos que tive com ela.
Bernardi está muito atordoado. Ele caminha de um lado a outro do quarto, parece estar pensando no que fazer agora. Ele caminha até o criado-mudo e senta-se na cama. Ele olha para o criado-mudo, abre-o, pega uma flanela e limpa as digitas da arma. Bernardi coloca-a ao seu lado na cama e, pega uma folha em branco e uma caneta. Eu, agora, posiciono-me  para ver o que ele escreve. Ele coloca um bilhete de Glória em cima do criado-mudo e, copiando a letra de Glória, escreve:

“Jean, eu não posso mais suportar essa situação. Eu te amo, meu amor, mas as circunstâncias não me deixaram outra alternativa, além a de tirar a minha própria vida. Meu suicídio é em nome do nosso amor.
Não se esqueça, Jean, eu te encontrarei em um lugar distante, onde nem Bernardi, nem ninguém poderá nos encontrar e, assim, viveremos as nossas vidas sem a interferência de ninguém.
Beijos de quem te ama muito,
       Glória.”

Bernardi encerra a carta de suicídio e diz em voz alta:
        Eles comprarão as palavras dessa carta! – Gargalha Bernardi como nunca houvera gargalhado antes.
Bernardi levanta-se da cama e caminha em direção ao corpo de Glória. Ele abaixa-se e coloca a carta na mão esquerda de Glória. Ele busca a arma envolta na flanela e a coloca na mão direita de Glória, para parecer um suicídio.
Bernardi vai para o banheiro. Ele tira suas roupas e entra na banheira para tomar um banho.
 Após ter relaxado, Bernardi veste-se com outras roupas e sai de casa. Eu o sigo, que anda apressadamente. Ele senta-se em um banco de praça, puxa um papel e uma caneta do bolso e, mais uma vez, ele copia a letra de Glória. O bilhete diz:

“Jean, eu não agüento mais. Acho que vou fazer uma besteira. Por favor, venha até a minha casa.
Teu grande amor,
Glória.”

Bernardi pede a um garoto, que está passando na rua, que entregue o tal bilhete a Jean. Bernardi explica com cuidado cada detalhe, previne o garoto de que em nenhum momento deve dizer que foi um homem que pediu o favor e dá-lhe algum dinheiro.
O menino chega à obra e entrega o bilhete, como combinado, a Jean.
Jean lê o bilhete perplexo. Ele sai da obra, sem dar explicação a ninguém, correndo desesperado. Jean chega na casa de Bernardi agora. Ele entra afoito na casa, sobe as escadas e entra  no quarto. Ele contorna a cama e vê Glória estendida no chão, entrando em desespero. Jean, então, começa a gritar:
        Nãããão! Não pode ser! Por que, meu Deus? Por quê?
Jean abaixa-se e pega a carta que está na mão de Glória. Ele a lê e chora muito. Suas mãos suadas tremem. Ele abaixa-se novamente, larga a carta e pega a arma. Jean levanta-se tremendo e com a arma em punho. Meu Deus do céu! Ele aponta a arma para si. Cristo! Tem sangue por todos os lados!
Então, foi isso o que aconteceu! Só não entendo por que Bernardi teve tanto trabalho para fazer os bilhetes.
Bernardi entra em cena, agora, com um semblante de alívio. Não entendo o que passa pela cabeça dele. Ele vai ao encontro dos corpos, abaixa-se, pega o bilhete que deixara com Glória e o guarda em seu bolso. Agora, ele vasculha os bolsos de Jean e encontra o que procura. Bernardi procurava o bilhete que mandou para Jean, em nome de Glória. Ele puxa uma nova carta do bolso e a lê. Parece querer ter certeza de que não haverá defeito em seu crime. Eu me aproximo de Bernardi para ler o que está escrito. É uma carta escrita com a letra de Jean. A carta diz:

“Não suporto mais viver sem amor. Eu venho, por meio desta carta de suicídio, externar meus sentimentos e justificar perante ao mundo o meu ato insensato.
Há muito tempo que eu amo Glória, mulher de meu irmão e vinha tendo encontros com ela, sem que meu irmão soubesse. Mas, agora que descobri um amante de Glória, não posso mais suportar esta vida.
Glória seduziu meu coração, fazendo-me a acreditar em amor eterno. Mas, agora que descobri tal fato, vejo que ela não passa de uma mulher da vida. Então, já que ela matou minha alma, eu me vejo no direito de matá-la também.
Jean.”

Bernardi abaixa-se e coloca a carta de despedida na mão de Jean.
Agora, consigo entender o que aconteceu. Bernardi planejou tudo. Ele fez tudo para incriminar Jean, pois ele jamais poderia se defender. Realmente, o crime perfeito. Sem testemunhas, somente ele sabe da verdade. Acho que, agora, eu já sei de toda a verdade.


Capítulo XI



O Retorno IV


Escuto, então, a voz do hipnotizador me chamando de volta para o mundo real. Posso ouvir, agora, o que ele diz.
        Daniel, você, agora, encontra-se rodeado de luz. Esta luz, que o envolve, o deixa calmo e relaxado. Você está tenso, mas a partir de agora, você começa a entrar em um estado de espírito único. Onde nada, nem ninguém poderá perturbá-lo. A cada respirada você retorna um passo à realidade. Agora, uma bola de luz faz sua dança. Você a segue com o olhar e sente-se bem em olhá-la. Você tenta tocá-la, mas ela foge de suas mãos. Você só poderá tocá-la quando eu chegar no número um. Agora, eu contarei regressivamente de dez a um. E, quando eu chegar no número um, você acordará de seu subconsciente e lembrará de tudo o que você viu, livrando-se de todos os seus traumas e pesadelos. Dez. Nove. Oito. Sete. Seis. Lembre-se: quando você voltar de sua viagem astral,  você perderá a mulher de seus sonhos. Cinco. Quatro. Três. Dois. Você, agora, retorna refrescado e livre de seus pesadelos. Um.
Daniel acorda de seu sonho. Ele respira fundo, esfrega as mãos no rosto e sorri para o hipnotizador, que retribui o sorriso, pois ele entendeu que aquele sorriso simboliza uma glória. O hipnotizador o indaga:
        Como foi a viagem?
        Fascinante! Acho que, agora, estou livre. – Responde Daniel, com uma voz de alívio.
        Está. Com certeza você está livre. – Diz o hipnotizador, feliz por ter livrado mais uma alma de seu passado.
        O que vai acontecer agora? – Pergunta Daniel.
        Nada.
        O sabor da glória é maravilhoso, mas e agora, o que eu faço? Já atingi o meu objetivo.
        Daniel, você não pode fazer de uma obsessão um objetivo. Sua obsessão é um trauma a ser curado, não o motivo de viver. – Explica o hipnotizador.
        Mas, eu vivi tanto tempo atrás da cura para minha obsessão, que agora já não sei mais viver sem ela.
        Você está brincando, mas eu tive alguns pacientes que se mataram depois da cura. Justamente por terem transformado sua obsessão em um motivo para viver. Logo, quando curados, não teriam mais motivo para continuar vivendo. – Esclarece o hipnotizador.
        Não, eu estou brincando! Eu tenho uma mulher que eu amo e um filho para criar. E tenho muitos objetivos a serem atingidos. Mas, que é estranho pensar que acabou, é estranho. – Diz Daniel.
        É, mas não é bom se fixar muito nesse tipo de pensamento, para que você não arrume outro problema. – Conscientiza o hipnotizador.
Daniel olha para seu telefone celular, que se encontra no modo silencioso e verifica que há uma chamada não-atendida do escritório. Ele telefona para o escritório para saber do que se trata. Quem atende, é sua secretária.
        Tudo bom? Aqui é o Daniel. Eu vi que tem uma chamada não-atendida, aí do escritório. Quem gostaria de falar comigo? – Pergunta Daniel a sua secretária.
        Foi o senhor Dorival quem ligou. Eu informei que o senhor não se encontrava no escritório, mas ele não gostou muito e mandou o senhor ligar para ele com urgência. – Explica a secretária.
        Tá bom. Eu sei do que se trata. Obrigado.
Daniel procura o número do empresário na agenda telefônica. O telefone chama e logo o empresário atende.
        Dorival, pois não?
        Aqui é Daniel... – Diz Daniel até ser interrompido.
        Já estava em tempo de retornar a ligação. Eu não tenho a vida inteira para esperá-lo.
        É, eu sei. É que eu estava com uns problemas pessoais...
        Seus problemas pessoais não me interessam. Problemas todo mundo tem. Eu quero saber quando é que nós iremos sentar para conversar sobre o meu projeto. – Diz Dorival, interrompendo Daniel.
        Pode ser amanhã...
        Olha, meu tempo vale muito dinheiro, portanto, eu acho bom a gente conversar ainda hoje. – Interrompe novamente.
         É, mas hoje não poderia ser. – Diz Daniel receoso.
        Daniel, se o meu projeto não tem importância para você, eu arrumo outra empresa para fazer o meu projeto. Uma que não tenha tantos problemas pessoais. – Diz Dorival, com um tom arrogante.
        Não, tudo bem. Hoje à noite pode ser. Nos encontraremos onde?
        Nos encontraremos no restaurante La República. Sabe onde fica?
        Claro. A que horas?
        Às 8 horas.
        Está ótimo para mim. Até mais.
O hipnotizador, depois de ouvir toda a conversação, comenta:
        Cliente difícil, hein?
        É, mas esse vai me trazer muito dinheiro. Eu não posso perdê-lo.
        Então, é isso aí! Qualquer problema que você tiver e, estiver ao meu alcance, é só retornar. A casa estará sempre de portas abertas para você. – Diz o hipnotizador.
        Obrigado por tudo! Não existe dinheiro que pague a verdade e a paz de espírito.
        É verdade!
Daniel levanta-se para ir embora. O hipnotizador o conduz até a porta e, lá, eles despedem-se.
        Mais uma vez, obrigado! – Diz Daniel apertando a mão do hipnotizador.
        Descanse em paz, meu irmão! – Diz o hipnotizador com um sorriso tranqüilizador nos lábios.

 

Capítulo XII



O Novo Assassinato


Enquanto Daniel vai para sua reunião, algo de sombrio acontece em sua casa.
Natasha está em casa assistindo, despreocupadamente, à televisão, quando ouve alguém esmurrando a porta. Ela levanta-se e vai atendê-la, pensando ser Daniel, que mais uma vez esquecera as chaves.
Natasha abre a porta e se depara com um homem mascarado, vestido em couro preto. O homem, sem hesitar, agride Natasha e a empurra para dentro da casa. Natasha, desesperada, tenta reagir, mas o homem é bem mais forte e a golpeia na nuca com a arma. Ela tonteia e cai no chão. O mascarado deita-se sobre ela. Mesmo estando sem forças e desnorteada, Natasha morde a orelha do mascarado e arranca-lhe um pedaço, com os dentes. Ele, com um grito aterrorizante, sai de cima dela. Ela cospe o pedaço da orelha dele e tenta escapar, mas o mascarado corre atrás dela com mais ódio. Natasha corre para a cozinha, onde procura uma faca para se defender. O mascarado entra na cozinha para terminar o que veio fazer. Logo que Natasha o vê, tenta agredi-lo com a faca, mas ele a impede. Uma luta por sobrevivência é travada na cozinha. O mascarado consegue fazer com que Natasha solte a faca, por meio de golpes seqüenciais da mão dela contra o armário aéreo. Conseguido o que pretendia, o mascarado arremessa Natasha por cima da mesa, machucando-a bastante. Ela está quase desacordada e não escuta com clareza o que o mascarado diz. A voz não é nítida para os ouvidos de Natasha, que ouvem:
        Abra os olhos e retorne, Daniel!
O mascarado aponta a arma com silenciador para a cabeça de Natasha e espera por sua súplica, mas Natasha não consegue mais lutar, nem implorar por sua vida. O mascarado então dispara a arma contra a cabeça de Natasha. Com o barulho, Jeferson, que se encontrava dormindo no quarto, acorda e começa a chorar desesperadamente.
O mascarado corre para calar o menino. Ele sobe as escadas quase num salto e entra no quarto. Ele olha com os olhos de uma águia em busca de Jeferson. Logo que o vê, vai ao encontro do menino, que chora. O mascarado pára em frente à cama onde se encontra o garoto. Ele observa, por alguns segundos, a criança chorosa. Ele aponta a arma para a criança e efetua dois disparos contra sua cabeça.
O homem mascarado sai do quarto e desce as escadas em direção à cozinha, onde está Natasha morta. Ele a observa por alguns instantes e sai da cozinha. Ele vai até o seu carro, pega sacos grandes e os leva para dentro da casa. Ele chega na cozinha e coloca Natasha dentro do saco, que parece mais um saco de dormir. Com os panos que retirou de dentro do saco, ele limpa todo o sangue do local. O mascarado tem o cuidado de varrer os cacos de vidro dos objetos que quebraram e colocar as coisas de volta em seus supostos lugares. Ele, agora, arrasta o corpo de Natasha pela sala, levando-a para o quarto do casal, onde está Jeferson. Chegando no quarto, ele abre o saco e a coloca ao lado de seu filho na cama, como se eles estivessem dormindo abraçados e os observa atentamente.


A Surpresa

Daniel chega em casa tarde da noite, cansado de seu tumultuado e glorioso dia. Ele entra em casa e, como de costume, chama por Natasha para contar as boas-novas, mas ela não reponde. Ele logo vê a televisão ligada e comenta para si próprio, em voz alta:
        Natasha não muda mesmo. Sempre distraída. Esqueceu de novo a TV ligada.
Ele senta-se em frente à televisão para assistir ao jornal. O jornal passa uma notícia sobre o governo:
         O governo decide hoje, através de votação, o aumento dos combustíveis. Se for aprovado o aumento, será o quarto aumento neste ano./Serial killer. Foram presos, hoje, os cinco homens que vinham aterrorizando a cidade com seus crimes bárbaros. Ao contrário do que pensava a polícia, os crimes não eram cometidos por apenas um serial killer, mas por cinco assassinos, comprometidos por um pacto. Vamos às imagens.
A reportagem passa para o take da polícia levando os assassinos. Os assassinos tentam esconder o rosto com suas camisetas. Algemados, sendo conduzidos para o camburão e sob o comentário do repórter, os cinco elementos são filmados.
        Estes são os nomes dos assassinos em série: Mauro Galvão, o “Netinho”; Paulo Ricardo Moraes da Silva, o “Cabeça”; Rogério Lemos da Silveira, o “Pato”; Ricardo Motta, o “Figura” e; José Figueiredo Gulart, o “Mano”. Eles faziam parte de uma banda de Trash Metal chamada Tragedy. Sua intenção era fazer com que a banda ficasse famosa através dos crimes. Mas o “Mano” afirma que não imaginava ser pego pela polícia, pois era o crime perfeito para a divulgação do seu CD. Mauro Galvão, que encontra-se dentro do camburão, pede que a imprensa se aproxime para uma última declaração. Vamos até ele agora. O que você tem a dizer, Mauro? – Pergunta o repórter.
        Bom, em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer, em nome dos integrantes da Tragedy, às pessoas que compraram o nosso CD. Foi de suma importância para a nossa carreira...
Mauro interrompe o que estava dizendo para pedir ao policial que retire as suas algemas, pois estão machucando os seus pulsos. O policial retira as algemas e, os assassinos descem do camburão. E, Mauro continua, então, o seu discurso para a televisão:
        Continuando o que estava dizendo, eu agradeço à todos que de alguma forma, colaboraram para a execução deste CD… Nossa! Execução fica muito pesado depois de todo esse show. Mas, de qualquer forma, obrigado a todo o nosso público. Os assassinados estão todos vivos, eram todos atores e atrizes contratados por nós. Caso vocês não tenham percebido, a cada assassinato a gente procurava colocar os assassinados do crime anterior no meio do público para ver se alguém percebia que era uma farsa, mas aparentemente ninguém percebeu. Então, foi tudo uma farsa, em virtude da nossa publicidade. Valeu galera!
De volta à redação do jornal, o jornalista comenta:
        É, mais uma banda de malucos “metaleiros”, fazendo sua farsa macabra.
Daniel desliga a televisão e segue em direção às escadas. Ele sobe as escadas e entra no quarto para descansar. O ambiente está muito escuro, mas pode ver Natasha e Jeferson deitados na cama. Ele caminha até a cama para ver Natasha e diz:
        Meu amor, você não me ouviu chamar?
            O Mascarado entra no quarto. Ele caminha lentamente por trás de Daniel. Quando o mascarado chega perto dele, Daniel vira-se de súbito e, atônito, vê aquele homem parado em sua frente. O Mascarado retira sua máscara e diz:
        Abra os seus olhos, Jean!
Daniel fica totalmente sem reação diante do hipnotizador. Daniel tenta entender o que ele faz ali. Daniel permanece mudo e o hipnotizador diz:
        Tu não lembras mais de mim, Jean?
Daniel está mudo. Tenta falar mas não consegue. O hipnotizador continua o seu discurso de palavras curtas:
        Sou Bernardi, teu irmão!
Daniel então diz:

         Você enlouqueceu?
         Não. Tu me enlouquecera quando tirou Glória de mim. Agora eu tirei-a de ti, canalha!
         Você enlouqueceu mesmo! – Diz Daniel, em pânico.
Então, com uma palavra, o hipnotizador encerra o seu discurso da morte.
         Traidor!
O hipnotizador assassina Daniel com um tiro à queima-roupa. Um crime perfeito. Sem vestígios nem testemunhas. Como em 02 de Janeiro de 1929.


 

Capítulo XIII



Última Notícia


No noticiário local, a história era contada de acordo com as evidências encontradas pela polícia.
    Marido traído assassina mulher e filho e, comete suicídio. Foram encontrados nesta manhã, pela polícia, os corpos de Daniel Lemos de Oliveira (o assassino suicida), Natasha Padilha (esposa de Daniel) e Jeferson Padilha de Oliveira (o filho de Daniel). Fora encontrada, junto ao corpo de Daniel, uma carta de suicídio, que dizia:

“Eu venho por meio desta carta justificar ao mundo o porquê de meu ato descontrolado.
Eu não posso mais tolerar as traições de Natasha, suas mentiras, sua falsidade e sua inconstância.
Esta noite eu cometerei um crime em nome de minha honra.
Eu quero deixar claro para o mundo que a vítima desta história sou eu e não a vadia.
Quero externar, também, que, durante muito tempo, eu agüentei suas traições e humilhações calado. Mas,  hoje darei um basta nessa história de infidelidade. Então, através desta comunico ao mundo que, esta noite, lavarei a minha honra com sangue.


Daniel.”





FIM