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Capítulos 4 à 7 "A Regressão"


Capítulo IV

 

O Retorno II

 
Seguro na luz que me rodeia, livre do medo e da dor, começo a embarcar de volta para o meu presente. Graças a Deus, consegui desenrolar o meu passado. Acredito agora ter me livrado de meus traumas do passado.
Não vejo mais imagem alguma. Agora é só luz e paz. Começo, então, a escutar a voz do hipnotizador dizendo:
      Você está mais uma vez cercado de luz. Uma luz branca e brilhante vem ao seu encontro. Permita que esta luz o leve para longe de seu passado e o traga para o presente. No momento em que a luz se dissipar, você vai lentamente voltar para sua consciência, lembrando de tudo o que aconteceu. Quando eu contar regressivamente de Dez a Um, você irá retornar ao presente, sentindo-se tranqüilo e refrescado.
      Dez. Nove. Oito. Sete. Seis. Lembre-se de deixar seus problemas onde estão. Não os traga com você. Cinco. Quatro. Três. Dois. Um. Abra os olhos Daniel.
Daniel ainda está meio zonzo, se sentindo “grogue”. O hipnotizador começa a fazer perguntas básicas para que Daniel recobre a consciência mais rapidamente:
      Como está se sentindo, Daniel?
      Bem. – Responde Daniel, meio atordoado.
      Tenho certeza que você não estava esperando por aquelas revelações, não é verdade?
      É. É verdade.
O hipnotizador olha o relógio de bolso, um relógio extremamente raro. Daniel observa a relíquia com curiosidade. Daniel não resiste e pergunta ao hipnotizador:
      Onde você conseguiu esse relógio?
      Era de meu avô.
      Que interessante! Ele parece que foi feito recentemente. Está num estado de conservação impressionante. – diz Daniel, impressionado com o relógio.
O hipnotizador desconversa, dizendo:
      Bom, acalme-se um pouco e depois vá para casa. Não convém você dirigir depois de tudo que viu. Pode lhe causar uma distração no trânsito e, provocar um acidente. Não gostaria de me sentir culpado por isso.
Daniel, após meia hora, despede-se do hipnotizador e sai do consultório. No retorno para sua casa, uma música no rádio o faz lembrar de suas tão recentes experiências. Uma música chamada The Long and Winding Road, da banda The Beatles.


O Equívoco

Chegando em casa, Daniel abre a caixa de correspondência para ver se não há mais nenhum recado do velho mascarado. Não há nada além da correspondência convencional. Daniel entra em casa chamando por Natasha. Não havendo resposta, ele sobe até o quarto para encontrá-la. Não encontrando sua esposa, nem seu filho, ele vai para o escritório ao lado do quarto para ver um projeto pendente. Ele vê que a velha máquina de escrever fora retirada do armário e está sobre a escrivaninha com uma folha de papel “A4” datilografada. Ele vai até a máquina para ler a curiosa carta.

“Meu amor, não consigo mais suportar a sua inconstância. Não sei mais o quanto você me ama nem se realmente me ama. Se você ainda me ama, não me procure, pois tenho que reavaliar a minha vida. Não sei mais quem você ama, se eu ou essa tal de ‘Glória’, que aparece em seus sonhos. Só me procure se estiver certo de que me ama e esquecerá esta mulher.
P.S.: Levei nosso filho, pois ele estará melhor com alguém equilibrado. ABRA OS OLHOS, DANIEL.”

Daniel, apavorado com a última oração do texto de Natasha, sai correndo desesperado a sua procura. Ele desce as escadas correndo e vai em direção à porta. Quando vai abri-la, escuta um barulho de chaves. Uma chave é introduzida na porta. Daniel se sente acuado, sabendo que só ele e Natasha possuem as chaves da casa. Poderia ser qualquer um. Poderia ser o seu amigo Jonathan, que tirou uma cópia da chave. Mas por que ele faria isso? Ou poderia ser o suposto velho? A porta, então, abre-se lentamente. É um momento de muita expectativa para Daniel. No momento em que ele vai golpear a pessoa que está entrando, ele vê quem é e, grita:
      Natasha!... O que você está fazendo aqui?
      Como, o que eu estou fazendo aqui? Eu ainda moro aqui. Ou você já me substituiu pela mulher dos seus sonhos? – Responde Natasha, surpresa com aquela cena.
      Não. É claro que não. Mas, é que você deixou uma carta na máquina de escrever, dizendo que você tinha ido embora e, que não era para te procurar até eu me decidir entre você e Glória e...
      Que máquina? Nós não temos máquina de escrever. – Responde Natasha, sem entender o que está acontecendo com Daniel.
      Claro que temos! A máquina que era do meu pai, que eu não uso. Aquela que eu guardo só como recordação.
      Ah, sei! Mas eu nem lembrava dessa máquina, quanto mais onde ela estava e, quem dirá, escrever com aquela velharia. Se eu fosse escrever, escreveria no computador.
      Tá, mas não pode ter sido escrita por outra pessoa. Está relatando perfeitamente o que eu acredito que você está sentindo, segundo a conversa que tivemos outro dia. Você até diz coisas do tipo: “Ou eu, ou Glória.”
      Quem é Glória?
      Como, quem é Glória? É a mulher que aparece em meus pesadelos...
      Mas, você nunca me disse o nome dela antes! O que foi posto na tal carta que, supostamente, eu escrevi? Foi posto: “ A mulher de seus sonhos” ou o nome dela?
      Foi posto o nome dela.
      Então é óbvio que não fui eu quem escreveu essa carta. Você nunca me disse que sabia o nome dela.
      Tem certeza? – Questiona Daniel, não acreditando.
      Se é que existe essa carta. Só falta eu chegar lá no escritório e a carta ter desaparecido. Aí, eu vou ser obrigada a te mandar para um manicômio ou escrever um livro de suspense.
Daniel preocupa-se com o que disse Natasha e, sai da sala para ir até o escritório. Natasha o segue. Daniel, então, diz:
      Então, quem escreveu essa maldita carta?
      Não sei. Mas é bom que, depois desse drama todo, realmente exista essa carta.
Eles sobem apressadamente até o escritório. Chegando lá, Daniel pega a carta da velha máquina de escrever e a entrega à Natasha. Ela a lê e fica espantada com o que está escrito. Então, vira-se para Daniel, dizendo:
      Daniel, você não tem a menor idéia de quem possa estar te ameaçando? Pense bem.  Agora as coisas passaram dos limites. Esse homem invadiu a nossa casa para deixar esta carta, como se eu a tivesse escrito. Isso quer dizer que, ele pode invadir a nossa casa a qualquer hora para cometer um crime...
      Calma! Calma! Eu vou ver o que posso fazer. Mas, por enquanto, mantenha a calma e seja paciente.
      Tá bom, mas nós temos de fazer alguma coisa. – Diz Natasha, preocupada com o ocorrido, mas ainda com dúvidas em relação a veracidade da tal carta de Daniel.
Daniel lembra-se de que ainda não viu o seu filho e questiona Natasha a respeito:
      Onde está o Jeferson?
      Eu o deixei com a Márcia. Eu precisava ir à farmácia e ela se prontificou a ficar com ele e...
      Você fez o quê? Porra! Esse maldito casal são os primeiros suspeitos da minha lista...
      Como é que eu iria saber?
      Eu te falei que achava as atitudes do Jonathan muito suspeitas.
      Tá, mas quem te garante que ele é o sujeito que entrou aqui?
      Eu não sei se é ele. Mas ele é o principal suspeito. É claro que, mesmo que eu não tenha provas contra ele, eu não vou largar a vida do meu filho nas mãos de um suspeito.
Daniel se vê desesperado. Ele esfrega a mão no rosto enquanto pensa no que fazer. Descontrolado, corre para o carro e Natasha sai atrás dele para evitar que ele faça uma bobagem, mas é inútil. Daniel entra no carro e sai “fritando” os pneus. Ele “corta” a frente de todos. Na cabeça, um só pensamento: matar Jonathan. Daniel cruza um sinal vermelho e causa um enorme acidente entre dois carros, mas ele sai ileso, continuando a sua caçada desesperada. Daniel entra na rua onde mora Jonathan, sem reduzir, fechando um “cavalo-de-pau”. Acelera até a frente da casa de Jonathan e freia bruscamente. Ele desce do carro afoito, sem desligá-lo ou fechá-lo, corre até a porta da casa e, esmurrando-a, grita:
      Jonathan, seu filho da puta! Eu vou te matar, filho da puta!
Ninguém atende a porta e o desespero de Daniel toma conta de sua cabeça. Daniel, aflito, permanece espancando a porta. Então, um barulho de chaves na porta faz com que Daniel pare de esmurrá-la. Quem abre a porta é Márcia, que surpresa com a presença inesperada e feições transtornadas de Daniel, diz:
      Ué! Não era para você estar no trabalho?
Daniel, empurrando-a, diz:
      Sai da minha frente!
Daniel invade a casa de Márcia como se nada pudesse pará-lo. Márcia tenta intervir com gritos, mas nada adianta.
      Daniel, esta é minha casa...
      Mas, Jeferson é meu filho!
      Tá, e o que isso tem a ver?
Márcia não sai de trás de Daniel, que encontra-se em total descontrole. Daniel, aos berros, pergunta:
      Cadê meu filho?
      Ora, ele está no meu quarto! Mas o que é que está acontecendo?
Daniel não escuta o que Márcia está falando e continua adentrando mais e mais a casa. Entrando no quarto, não vê seu filho. Desesperado, ele grita:
      Cadê meu filho?
      Eu não sei. Ele estava aqui agora há pouco. Eu ainda vim espiá-lo para ver se estava tudo bem e, ele estava dormindo...
      Cadê meu filho? – Daniel grita com Márcia.
Ele, então, pega os dois braços de Márcia e a sacode com toda a sua força, gritando:
      Eu vou matar vocês! Eu juro que vou matar vocês!
Márcia, apavorada, tenta acalmá-lo.
      Calma! A gente vai achar o menino. Mas não vamos chegar a lugar algum se você continuar assim, histérico. Calma!
      Onde ele está? – Pergunta Daniel novamente, com uma voz trêmula e raivosa.
      Eu já disse que não sei, mas vamos descobrir. Calma!
      Eu vou ligar para a polícia e comunicar que vocês seqüestraram o meu filho.
Daniel, então, sai do quarto em busca de um telefone para ligar para a polícia. Márcia o segue, dizendo:
      Daniel, pelo amor de Deus! Nós não seqüestramos o seu filho! Que absurdo! Por que nós faríamos isso? E, além do mais, foi a sua mulher quem pediu para eu cuidar dele. O que você vai dizer à polícia? Que a sua mulher deixou o seu filho aqui e eu o seqüestrei? Eles vão rir da sua cara...
      Ele te instruiu direitinho, hein?
      Instruiu o quê?
Ele pega o telefone e começa a discar para a polícia. Enquanto isso, ele continua a discussão:
      Não se faça de inocente. Seu marido vem me ameaçando há dias...
      Pelo amor de Deus, Daniel! Você está completamente paranóico!
      Ah, paranóico! Então, se eu sou paranóico, cadê o meu filho? Ou ele sumiu pelo fruto da minha paranóia? E, me faça um favor, não meta Deus nesta história sórdida. Criminosos não sabem o peso desta palavra. – Logo após ter dito isso, o telefone, que só chamava, é atendido.
      Alô! É da polícia?... Eu estou com um problema. Meu filho foi seqüestrado... Isso, seqüestrado... – Explica Daniel à polícia.
Interrompendo o assunto de Daniel com a polícia, um choro “rasgado” vem do quarto. Daniel fica perplexo. Do outro lado, o policial tenta comunicar-se com ele. E, então, Daniel responde:
      Esqueça, eu já o encontrei.
Daniel larga o telefone e sai correndo em direção ao quarto para procurar seu filho. Márcia, sem entender nada, o segue até o quarto. Chegando à porta, Daniel dá uma boa olhada para dentro do quarto, mas não vê o menino. Novamente houve-se um choro. Daniel presta atenção, mas não consegue definir de onde vem. Novamente ele chora e, Daniel anda em direção à cama, onde estava o menino. A criança chora de novo e, ele logo percebe que, vem debaixo da cama. Daniel abaixa-se, levanta a colcha e vê o menino que está chorando. Daniel pega Jeferson nos braços e, sem dizer nada, sai do quarto. Vendo a atitude de Daniel, Márcia não se contém em ficar quieta e diz:
      Desculpa, é bom pedir quando se erra.
Daniel finge não ouvir e sai, às pressas, da casa de Márcia.





Capítulo V


No Limite da Morte

                     
Daniel chega mais cedo do que de costume ao escritório. Ele verifica a correspondência e a organiza junto com toda a papelada atrasada. Escuta, enquanto isso, a secretária eletrônica. Tinha tudo para ser um dia calmo, não fosse uma ligação.
Tomando um café preto, preparado por ele, Daniel escuta com atenção cada recado da secretária eletrônica. No último recado, ele observa que é a voz do hipnotizador que diz:
      Daniel, por favor, ligue para o meu escritório. Se possível, ligue ainda hoje. Desde já agradecido, seu amigo e médico.
Daniel, então, resolve ligar para o hipnotizador para saber o porquê do recado na secretária eletrônica. O telefone toca cinco vezes e é passado para secretária eletrônica do hipnotizador que diz:
      Meu amigo, você ligou para o seu hipnotizador preferido, no momento não posso atendê-lo, mas assim que puder, retornarei a ligação. Portanto, abra os seus olhos e, neste caso, abra o verbo e deixe fluir o seu recado após o sinal.
Daniel fica intrigado com o recado da secretária eletrônica do hipnotizador. Pensativo, Daniel vai pegar mais um café. Preparando um novo café, ele resolve ir ao consultório do hipnotizador. Ele tranca toda a sua sala e desce para pegar o seu carro, que se encontra no subsolo do prédio.
Chegando ao subsolo, ele observa que está tudo deserto e que, somente ele transita por ali. Ele caminha até o carro e abre a porta, entrando no carro, ele procura por sua valise, mas não a encontra. Enquanto a procura, ele observa que há um CD em cima do banco do carona, é quando se lembra que a deixara em sua casa. Então, ele bate a porta do carro e introduz o CD no CD player. Ele observa a capa do CD, que não traz nada escrito, só um símbolo extremamente estranho. O CD começa a tocar. Nele não há nenhuma música, somente uma voz distorcida igual a da secretária eletrônica de outrora. Então, ele escuta atentamente a mensagem contida no estranho CD:
      Não ouse ligar o carro, Daniel, pois eu coloquei uma bomba nele, que será acionada quando você o ligar. Ah! Não abra nenhuma das portas, também. A bomba também será acionada pelas portas.
A mensagem faz uma pausa e continua dizendo:
      Lembre-se: Cuidado com os amigos que você arruma, amigo, pois eles podem querer te matar. Abra os olhos, Daniel. Do seu mais leal amigo.
Daniel encontra-se atônito. Ele está à beira de um ataque de nervos. Ele está com aquela sensação de impotência novamente. Então, em meio ao pânico, lhe vem à cabeça que ele está com o celular dentro do porta-luvas. Ele abre o porta-luvas com voraz desespero e pega o seu celular. Então, ele tecla o “9” da emergência. A polícia atende:
      Departamento de polícia, pois não?
      Pelo amor de Deus! Eu estou trancado dentro do meu carro e...
      Então, chame um chaveiro, meu amigo. Tenha um bom dia.
      Não desligue, por fa... Droga! Maldita polícia! Sempre com essa puta má vontade.
Daniel redisca o “9”, enquanto excomunga o policial. Novamente, o policial diz:
      Departamento de polícia, bom dia!
      Meu amigo, pode me escutar um momento antes de desligar o telefone? Eu estou trancado dentro do meu carro, com uma bomba...
      Com uma bomba... E como o senhor sabe que tem uma bomba no carro? O senhor, por acaso, é médium? – Debocha o policial.
      Não. Eu encontrei um CD no banco do carona. Achei-o um tanto estranho, pois eu recém havia saído do carro e não me lembrava do tal CD. Então, vi que não tinha nada escrito na capa  e coloquei-o no meu CD player para ouvi-lo. E daí, nele havia uma mensagem que dizia que no meu carro havia uma bomba pronta para ser acionada quando eu o ligar ou abrir uma de suas portas. – Explica Daniel ao policial.
      Está bem. Acalme-se. Me dê o endereço com exatidão, que iremos para onde o senhor está, com o esquadrão anti-bombas. Qual é o endereço?
      O endereço é Rua São Cristóvão, n.º 1003, no subsolo do prédio.
      Tá o.k.. Estamos indo para aí.
Como já era de se esperar, o esquadrão anti-bombas levou mais de meia hora para chegar ao local da emergência. Chegando ao local, ele começa a fazer uma típica operação de filmes americanos. Eles isolam todo o edifício e os especialistas começam uma busca para encontrar o explosivo. Pelo celular, o chefe de polícia, acalma Daniel.
      Daniel, não fique nervoso. Você está totalmente seguro conosco, pois somos profissionais em explosivos.
      Espero que sim. – Responde Daniel.
O desarmador 1 posiciona-se embaixo do carro para procurar a tal bomba. Com uma lanterna, ele vasculha cada centímetro do motor, mas todos os seus esforços são inúteis. Comunicando-se com o chefe, através de um microfone preso em sua cabeça, ele diz:
      Desarmador 1 para comandante da missão.
      Prossiga desarmador 1.
      Já verifiquei cada milímetro deste motor e não encontrei nada. – Explica o desarmador.
      Como, não encontrou nada? Se está ligado à ignição, tem de haver pelo menos um fio. – Analisa o comandante da missão.
      Eu sei, mas o senhor quer que eu faça o quê?
      A bomba pode estar embaixo do capô do carro. – Diz o comandante da missão.
O silêncio toma conta da situação. A partir deste momento, todos ficam apreensivos. O comandante resolve ligar para Daniel, que permanece atônito dentro do carro.
      Daniel...
      Pode falar.
      O negócio é o seguinte: não encontramos a tal bomba...
      Como, não encontraram? Quer dizer que eu vou morrer dentro da merda deste carro? – Diz Daniel, indignado com a tal situação.
      Acalme-se, Daniel! Nós ainda não sabemos se a bomba está embaixo do capô ou se não há bomba alguma. Pode ser apenas uma brincadeira de alguém que queira te assustar...
      Não! Não é brincadeira. Eu tenho sido ameaçado todos os dias, então, não venha me falar em brincadeiras...
      Calma! Pode ser apenas um blefe...
      E se não for? Vamos todos pelos ares? – Diz Daniel, indignado.
      Faz parte da minha profissão. – Responde o comandante da missão.
      Olha aqui! Eu não quero... Alô! Alô! Filho da puta! Desligou...
O comandante da missão grita:
      Usem o detector anti-bomba!
Os desarmadores 1 e 2 começam a passar os detectores em torno do carro, cuidadosamente, assegurando-se de que não deixaram passar nenhum detalhe. O desarmador 2 passa o detector sobre o capô do carro, mas nada é detectado. Quando o desarmador 1 passa o detector sobre o porta-malas, o alarme do aparelho é disparado.
      Está aqui, no porta-malas! – Grita o desarmador 1.
Começa, agora, um momento ainda mais delicado. O comandante da missão comunica cada detalhe da operação a Daniel.
      Daniel! Nós achamos a sua bomba. Fique tranqüilo! – Diz o comandante da missão.
      É fácil falar! Mas, não tenho nenhuma outra alternativa mesmo. – Responde Daniel, pelo celular.
O desarmador 1 pergunta ao comandante da missão:
      Como vou chegar até a bomba?
      Provavelmente, a bomba está colada na tampa do porta malas. Mas, por via das dúvidas, não vamos abrir nenhuma porta. Vamos abrir, com um maçarico, o fundo do porta-malas.
      Mas, como saber que não vai pegar na maldita bomba? – Pergunta o desarmador 1.
      Perfure rente ao banco traseiro. É muito improvável que alguém coloque uma bomba neste ponto. E, além do mais, o detector acusou mais para o fundo do veículo. – Instrui o comandante da missão.
      Tá certo. – Responde o desarmador 1.
Tendo terminado o diálogo entre o desarmador 1 e o comandante da missão, o desarmador 1 começa a perfurar o fundo do carro. Cuidadosamente, ele vai abrindo o fundo do porta-malas. O suor de seu rosto pinga no chão do estacionamento. Suas mãos parecem tremer cada vez mais. A tensão fica cada vez maior, agora que está chegando ao fim. O desarmador 1 retira delicadamente o fundo do porta-malas e verifica que a bomba está presa na tampa do mesmo. Cuidadosamente, ele infiltra-se no porta-malas do veículo. Tensão e muita adrenalina envolvem o momento. O desarmador 1 opera a bomba com a perícia de um cirurgião operando um coágulo cerebral. Ele retira a placa metálica que esconde todos os circuitos da bomba, verifica que o display da bomba encontra-se inativo e, mesmo achando estranho, prossegue o desarmamento. O desarmador 1 entra em contato com o comandante da missão:
      Comandante da missão, preciso de uma opinião.
      Na escuta, desarmador 1. Prossiga.
      Por desencargo de consciência, esta é uma bomba digital, o cabo a ser cortado é o amarelo? Confirme.
      Positivo. Pode executar.
O desarmador posiciona-se melhor para efetuar o corte sem maiores problemas. Seu rosto e suas mãos transpiram intensamente. Com o alicate, ele termina o serviço cortando o cabo amarelo.
      Desarmador 1, como está o andamento da operação? – Pergunta o comandante da missão.
      Acredito que o serviço esteja pronto. O display da bomba encontrava-se inativo e permane...
O desarmador 1 não conclui o que estava relatando, o que preocupa toda a equipe. Prevendo o inevitável, o comandante da missão, questiona-o:
      Desarmador 1, o que está acontecendo?
      Não sei exatamente. O display começou a funcionar , mas não começou contagem alguma. – Esclarece o desarmador 1.
      Mas, o que , exatamente, está ocorrendo?
      O display está marcando “zero segundo”. Como se já tivesse explodido. Não entendo.
      Fique observando para ver o que acon...
O comandante da missão é interrompido pelo desarmador 1.
      Pelo amor de Deus! Começou a contagem regressiva. Corram!
Após ter dito isto, o desarmador 1 sai rapidamente do carro. O comandante da missão pergunta sobre o tempo da bomba e, o desarmador 1 responde:
      Dez segundos!
Todos se desesperam e correm o mais rapidamente que podem. São os dez segundos mais longos de suas vidas. Daniel vendo toda aquela movimentação, entra em desespero. Então, numa fração de segundo, Daniel abre a porta do carro e tenta escapar, pressentindo sua morte.
Passam-se mais de 20 segundos e a bomba não explode. Os especialistas aguardam mais 1 minuto para afastar qualquer margem de detonação.
Vendo que nada aconteceu após 1 minuto, os especialistas retornam ao local para verificar o ocorrido. O desarmador 1 retoma sua antiga posição embaixo do porta-malas. Ele verifica toda a bomba e conclui que está tudo igual a antes. O display permanece em 10 segundos. Verificando com mais cuidado, ele chega a uma conclusão e a passa para o comandante da missão.
      Comandante da missão. Desarmador 1 chamando.
      Prossiga, desarmador 1.
      A bomba é falsa. Ela não é provida de detonador. Foi só um susto. – Conclui o desarmador 1.
Daniel aproxima-se do comandante da missão para questioná-lo sobre o ocorrido.
      Afinal, o que aconteceu? – Pergunta Daniel, com os nervos à flor da pele.
      A bomba era falsa. Não tinha o detonador. – Responde o comandante da missão.
      Tá. E o que isso quer dizer? – Pergunta Daniel.
      Quer dizer que alguém quis fazer uma grande brincadeira de mau gosto com você, ou o cara esqueceu de colocar o detonador. Em qualquer uma das alternativas, o propósito era te “encagaçar”. E esse filho da puta conseguiu “encagaçar” a todos nós. – Conclui o comandante da missão.
Daniel fica pensativo. Não entende o que está acontecendo com sua vida desde que começou com a regressão. Então ele começa a pensar que está tudo relacionado com a regressão e começa a achar que quem está por trás de todas essas ameaças é o seu hipnotizador. O comandante da missão percebe que Daniel está muito estranho e questiona-o:
      Você sabe de alguém que poderia ter feito isso?
Sem responder, Daniel sai em direção ao seu carro. O comandante da missão fica gritando com ele, mas ele não o ouve. Daniel está obcecado por respostas. Daniel dá partida no carro e sai “fritando” os pneus. Saindo do subsolo do edifício, quase provoca um acidente, mas ele nem sequer olha para trás. Daniel está em um momento de pura adrenalina. Ele não consegue ver nada que acontece a sua volta. Ele só pode ver o seu objetivo. Ele entra na rua do consultório do hipnotizador, freia bruscamente em frente ao consultório e desce em direção à porta. Parando na frente da porta, ele a esmurra, mas ninguém o atende. Quando, então, ele vê o hipnotizador vindo com uma mulher de mais ou menos uns vinte e cinco anos de idade. Obstinado, ele vai ao encontro do hipnotizador dizendo:
      Seu desgraçado!
      O que aconteceu, Daniel? – Pergunta o hipnotizador perplexo com a expressão desforme de Daniel.
      Como, o que aconteceu? Você vem me ameaçando esse tempo todo! Só agora eu fui me flagrar.
      Daniel, você sabe que essas acusações são muito graves. Espero que você possa provar o que está dizendo.
      Você colocou uma bomba falsa no meu carro para me assustar, não foi?
      Qual é o problema, Daniel?
      Ah! Não banque o palhaço! – Irrita-se Daniel, ainda mais.
      Olha aqui, Daniel! Eu não sei do que você está falando. E, além do mais...
A moça que está com o hipnotizador o interrompe dizendo:
      Espere aí! Quando aconteceu essa história de bomba?
      Aconteceu às 08h e 45min desta manhã. Por quê?
      Porque eu estou com ele desde ontem à noite, quando eu vim dormir na casa dele. Desde então, ele não saiu da minha vista. Então, é melhor você procurar outro para acusar. – Conclui a moça, indignada.
O hipnotizador pede para que a moça se acalme, dizendo:
      Calma, Melissa! Daniel é um paciente meu. Calma! Vamos resolver isso tudo.
Daniel abaixa a cabeça e fica pensativo. Alguns segundos depois, ele diz:
      Por que você me ligou hoje de manhã?
      Esse é o motivo de tantas acusações?
Daniel se irrita e começa a gritar:
      Porra! Dá para ser objetivo uma vez na vida?
O hipnotizador, irritado, também altera sua voz:
      Acalme-se, rapaz! Eu te liguei porque achei estranho você não ter aparecido, ontem, à consulta. Só isso.
Daniel esfrega as mãos no rosto e, logo, diz:
      Você me ligou hoje para falar da consulta de ontem?
      Não! Eu liguei ontem. Pois como você era o meu último cliente e não apareceu, eu  liguei, tanto para sua casa como para o seu escritório, para saber se eu podia ir para minha casa.
Daniel, pensativo, percebe que está enganado e, resolve desculpar-se:
      Me desculpe. Eu esqueci completamente sobre a consulta de ontem.
      É. Então, é bom você avaliar melhor uma situação antes de sair por aí acusando as pessoas. – Aconselha o hipnotizador.
      Me desculpe pelo transtorno. Eu estou começando a enlouquecer com essas ameaças. – Diz Daniel, transtornado.
      Daniel, eu estou meio ocupado hoje, mas me liga, na parte da tarde, para ver se a gente te encaixa em algum horário entre hoje e amanhã.
      Eu ligo sim. Me desculpe por tudo.
Nervoso, encabulado e com a voz trêmula, Daniel se despede e vai embora.


Capítulo VI


As Notícias II


São 23h e 20min. Daniel está em seu quarto, com Natasha, assistindo ao noticiário da televisão. Daniel assiste à TV, mas está bastante disperso. Quando, então, ele vê uma notícia que chama a sua atenção. Na TV, o repórter diz:
      Um assassinato ocorreu esta noite. Parece que o assassino já é conhecido da polícia, apesar de não se ter, nem mesmo, a descrição dele. Trata-se do mais novo serial killer. O assassinato tem as mesmas características do ocorrido há duas semanas. Foi assassinado um casal de idade entre 21 e 25 anos. Ambos mortos com duas facadas nas costas e um corte na jugular. E, ainda, tiveram os testículos e os ovários retirados, com cortes feitos, possivelmente, por um bisturi. Também foi achado um CD da banda de Trash Metal, Tragedy. A polícia investiga a relação do assassino com a banda, mas sequer foram encontrados os componentes da tão peculiar banda. Manoel Cardoso, para o JB Notícias.
Daniel permanece assistindo à televisão e pensativo sobre o assassinato.

A Queda

Daniel encontra-se andando nas ruas da cidade. Observando a noite, ele vê o quanto a lua está cheia hoje. Ele observa e sente-se observado. Como se alguém o estivesse seguindo. Ele olha para trás, mas nada vê.
Andando numa rua um tanto escura e totalmente deserta, Daniel se depara com um mendigo que saído do nada, lhe dá um susto que o deixa completamente ofegante e sem palavras. O mendigo o interpela, dizendo:
      O senhor tem um dinheiro para me dar?
      Você me assustou. – Diz Daniel, ofegante.
      Eu tô com fome. – Insiste o mendigo.
Daniel o ignora e começa a caminhar. Ele apressa o passo para atravessar a rua. A sensação de estar sendo seguido aumenta. Ele sente que não pode parar. Daniel olha para trás, mas nada vê. Quando chega na esquina, ele se depara com o mendigo dizendo:
      Você é mais um maldito que tem de queimar no inferno! Não é capaz de ajudar o próximo!
O mendigo puxa uma faca e tenta esfaquear Daniel. Ele luta contra o mendigo. O mendigo consegue acertar um golpe de faca na perna de Daniel. Em um ato desesperado, Daniel acerta um soco de baixo para cima no queixo do mendigo, fazendo com que ele caia no chão. Enquanto isso, Daniel foge, correndo em direção a um prédio logo à sua esquerda. O mendigo levanta-se e o segue. Daniel entra no prédio, atravessa o imenso saguão de entrada e chega aos elevadores. Daniel, insistentemente, aperta o botão para chamar o elevador, mas este demora para vir. De repente, ele olha para o lado esquerdo do elevador e vê um papel pendurado onde está escrito que  o elevador está em pane. Daniel sai correndo em direção às escadas.
O mendigo, atordoado, invade o saguão do prédio. Daniel sobe afoito as escadas, sem saber aonde vai parar. Naquele momento ele só pensa em fugir. No quinto andar, ele entra em um corredor, pois não agüenta mais a subida. Ele se vê desesperado, todas as portas se encontram trancadas. O mendigo o vê no fim do corredor e vai em sua direção. Daniel consegue arrombar uma das portas, invadindo uma peça, que parece um escritório. O mendigo entra logo atrás. Daniel se vê cercado e acuado. Ele tem de pensar rápido, mas nada lhe vem à cabeça. Ele acredita que esse combate vai ter de ser corpo a corpo. É quando, ele vê uma janela um tanto diferente das demais. Ele a observa com atenção e percebe que é uma janela de emergência. Ele corre até ela e a quebra, caindo sobre a escada de emergência. Daniel sobe as escadas, acreditando que seu oponente pensará que ele descera. Mas, o agressor logo olha para cima e o vê no final da escadaria. Então, o agressor sobe as escadas, atrás de Daniel, para terminar a sua ofensiva. Daniel não vê que o mendigo está subindo as escadas, acreditando que está seguro e, com isso, não se preocupa em se proteger, apesar de no terraço não ter onde se esconder; tendo como última esperança, que o ofensor tenha descido.
O ofensor chega ao cume do edifício e encara Daniel com voracidade. Ele avança contra Daniel. Daniel só tem uma alternativa: a de enfrentar o agressor de frente. Daniel, para ganhar tempo, começa a discutir com o agressor:
      Por que você quer me matar? Só porque eu não tinha dinheiro?
O velho mendigo não diz nada. Ele só o encara. Daniel insiste, perguntando:
      Me responda! Eu gostaria muito de te ajudar, mas não tenho nada de dinheiro.
O mendigo parte para cima de Daniel, aos berros:
      Morra!
Daniel, quase à beira do terraço do prédio, luta exaustivamente com o mendigo, mas todo o esforço é inútil. Ele acaba por ser esfaqueado na barriga e, com isso, o mendigo encara-o, como se lavasse a sua alma. Daniel começa a gritar:
      Por quê? Eu só quero saber o porquê.
      Não interessa por quê. Eu sou apenas o seu passado vindo lhe cobrar.
Dizendo isso, o mendigo aproxima-se de Daniel, o olha nos olhos e o agarra pela gola  arrastando-o até a beira do terraço e, diz:
      Mantenha, em dia, suas dívidas.
Dizendo isso, ele o atira de cima do edifício. Daniel, em pânico, se vê ainda vivo, em queda livre. Aqueles últimos segundos parecem uma eternidade. Quando ele está prestes a tocar o chão, seu espírito abandona o corpo, evitando, então, o ato consciente de choque.
Momentos depois, ele está ao lado do corpo. Daniel, em seu corpo astral, observa seu antigo corpo material, completamente desfigurado, totalmente irreconhecível. Daniel, apavorado com a sua drástica morte, choca-se ainda mais com a mediocridade do ser humano, que neste momento, mostra o quanto é desumano, com seus comentário inúteis e um certo prazer estampado no rosto.
Naquele momento, Daniel sente-se impotente diante da vida. Agora, sua maior pergunta é: por que Deus tirou sua vida de forma tão drástica? Mas, se ele não conseguiu respostas sobre o seu passado, não teria as respostas de sua morte naquele instante.
Daniel vê a ambulância aproximando-se, com todo aquele tumulto formado. Em um ato desesperado, Daniel começa a gritar.
      Eu estou aqui! Eu não morri! O corpo se vai mas o espírito continua! Eu sou imortal! Boçais! Ignorantes! Eu estou vivo! Eu estou vivo! Vivo!


O Velório

Daniel é sugado da cena de sua morte carnal. Ele se vê, agora, no outro dia, em seu próprio velório. As pessoas que ali se encontram, se vêem em desespero pela morte de Daniel.
Daniel vê Natasha com Jeferson em seus braços, chorando em frente ao seu caixão. Ele observa que o caixão está lacrado, provavelmente, devido à desfiguração de seu rosto. Ele caminha até Natasha para tentar consolá-la, mas é totalmente inútil. Ele diz:
      Natasha, meu amor, eu sei que não poderei concluir as coisas que planejamos juntos, nem criar o nosso filho, mas eu tenho a certeza de que escolhi a pessoa certa para criá-lo e fazê-lo feliz. Eu tenho certeza de que não poderia ter escolhido melhor a mãe de meu filho. Mulher de tamanha fidelidade. Não se esqueça, meu amor, enquanto não terminarmos de criar o nosso filho e fazer cumprir nossas metas, eu não sairei do plano terrestre. Nem que, para isso, eu penhore minha evolução espiritual.
Neste momento, um homem, vestindo um terno preto, aproxima-se do caixão, ficando ao lado de Natasha. Daniel tenta entender a cena. Não entende quem é o homem que se aproxima, pois não é nenhum de seus conhecidos. Natasha abraça o estranho e deita a cabeça em seu ombro. Passa pela cabeça de Daniel um sutil ciúme; mas logo é esquecido, pois ele não acredita em infidelidade, por parte de Natasha.
Amigos e parentes de Daniel aglomeram-se em volta do caixão. Daniel tem uma surpresa em ver sua mãe, que já é falecida há mais de 10 anos. Daniel fica zonzo em ver gente viva misturada com gente morta. Ele está confuso com toda essa nova situação. Daniel focaliza, neste momento, Natasha e o homem estranho. Natasha, então, o beija com um “selinho”. Daniel fica perplexo com a cena, indigna-se e esbraveja, mas ninguém pode ouvi-lo neste momento.
Agora que Daniel passa por um momento angustiante, ele sente uma mão delicada tocar seu ombro direito. Ele vira-se com voraz desespero, pois sabe que ninguém pode tocá-lo estando desencarnado, mas para sua surpresa, ele vê Glória, que lhe diz:
      Calma, meu amor! As coisas irão se ajeitar com o passar do tempo. Não se desespere, que ela ficará bem. As coisas são assim mesmo. Somente quem ama de verdade atravessa existências amando. Venha comigo para o paraíso, meu amor!
Daniel encontra-se confuso. É tudo muito recente para ele. Daniel não sabe o que responder. É uma difícil decisão a ser tomada. Ficar na Terra com a mulher, que acaba de trair-lhe com outro homem e cumprir a sua promessa de criar Jeferson, mesmo que indiretamente, ou ir definitivamente para o mundo espiritual. Ele pensa muito e responde:
      Glória, eu te amo! Mas tenho de cumprir as minhas obrigações de pai, mesmo que isso custe a minha evolução espiritual. – Conclui Daniel.
      Mas, meu amor! A sua esposa está te traindo. Tu não deves nada a ela. – Diz Glória, tentando convencê-lo a partir.
      Não, você não entendeu. A ela, eu não devo nada, mas a meu filho eu devo a minha vida. Após ele ter nascido, eu tive um aprendizado imenso. – Explica Daniel.
      Meu amor! Tu tens de vir comigo. – Insiste Glória.
      Já está decidido! Não posso deixar o meu filho! Eu sinto muito. – Diz Daniel, irredutível.
As feições de Glória ficam transtornadas, sua voz começa a distorcer, como nas ameaças que ouvira antes.
      Tu tens de vir comigo, pagar a dívida com o Criador.
Daniel tenta fugir, mas suas pernas estão pesadas, como se estivesse com botas de concreto. A diabólica Glória tenta agarrá-lo. Ela, com uma expressão demoníaca, diz:
      Tu estás com medo, meu amor! Lembre-se : é só abrir os seus olhos. “Abra os olhos, Daniel”.
Daniel grita e, com isso, é sugado da cena.
Daniel acorda-se, gritando, na cama de seu quarto. A televisão, na qual ele estava assistindo ao jornal, já encontra-se fora do ar. Natasha acorda e tenta acalmá-lo:
      Calma, amor! Foi só mais um pesadelo. Calma!
Ofegante, Daniel não consegue falar, pois está em estado de choque. Atônito, sem conseguir falar o que aconteceu, ele abraça sua esposa. Ela, numa tentativa sem sucesso, tenta acalmá-lo.
      Meu amor, acalme-se...
Então a voz de Natasha começa a ficar trêmula e rouca. É quando, Daniel apavora-se e percebe que a voz de Natasha modifica-se por completo e transforma-se naquela voz distorcida de outrora.
      ...Que eu vou te mostrar um caminho mais rápido para o paraíso. “Abra os olhos, Daniel.”
Daniel grita horrorizado. Com este grito ele acorda novamente, em seu quarto, ao lado de Natasha, que tenta acalmá-lo. Daniel, banhado em suor, nervoso e chorando; abraça Natasha e diz:
      Natasha, eu não quero morrer agora! Pelo amor de Deus! Eu não quero morrer agora!
      Você não vai morrer agora, meu amor! Foi só um pesadelo!
      Prometa que se eu morrer hoje, você não vai sair, amanhã, com outro...
      Do que você está falando?
      Prometa que nunca vai me trair.
      Pelo amor de Deus!
      Prometa! Vamos!
      Tá, eu prometo. Você está ficando cada vez mais paranóico.
Natasha acaricia a cabeça de Daniel e chora junto com ele.
  
 
 

Capítulo VII



Sexta-feira


Daniel encontra-se em seu escritório analisando uma proposta contratual, quando lembra-se de que havia faltado a uma consulta de hipnotismo. Ele, então, resolve telefonar para o hipnotizador.
      Alô! Sou eu, Daniel.
      Oi! Tudo bom? Está mais calmo hoje? – Pergunta o hipnotizador, sempre cordial.
      Claro, claro! – Responde Daniel, um tanto encabulado.
      Mas, a que devo este telefonema? – Pergunta o cordial hipnotizador.
      Eu liguei para saber se há condições de você me atender ainda hoje?
      Somente à noite. Infelizmente, eu estou com todos os horários cheios durante o dia. Mas à noite não tenho nada.
      A que horas, então? – Pergunta Daniel.
      Faz o seguinte, a hora que você for vir, me telefona. Eu vou ficar organizando as fitas e relatórios dos clientes de hoje. Então, qualquer hora tá bom para mim.
      Tá certo, doutor. Então, quando eu estiver saindo de casa, eu ligo para você. – Diz Daniel, que desliga o telefone logo depois.


Sexta-feira à noite

Daniel chega em casa, após o trabalho. Não há ninguém em casa. Ele procura por Natasha, mas não a encontra. Então, Daniel vai até a cozinha para fazer algo para comer e, acaba encontrando um bilhete fixado na geladeira, escrito por Natasha. O bilhete diz:
“Daniel, fui ao supermercado e já volto. Beijos, Natasha.”
Após ter lido o bilhete de Natasha, Daniel resolve preparar o jantar para agradar à Natasha. Ele vai até o aparelho de som e põe uma música para “quebrar” o silêncio. No rádio, toca uma música dos Beatles chamada The Ballad of John and Yoko. Enquanto prepara os ingredientes de seu jantar, Daniel canta e dança ao som da velha canção dos Beatles.
Após alguns minutos, começa a tocar, no rádio, uma música do Village People chamada YMCA. Enquanto isso, Natasha chega em casa. Ela acha estranho o volume do rádio, pois Daniel não tem o costume de escutar música alta. Daniel já pôs a lasanha para cozer e, então, ele vai à sala para dançar a música. Natasha fica em silêncio, na porta de entrada, assistindo àquela cena ridícula que Daniel está fazendo. Terminada a música, Natasha começa a aplaudir. Daniel leva um susto, pois não sabia que estava sendo assistido. Encabulado, ele diz:
      Ah! Você está aí?!
      Estou. – Diz Natasha, com um meigo sorriso.
      E aí, como foi de compras? Já conseguiu destruir o meu cartão de crédito?
      Não, ainda não. Mas, da semana que vem, não passa. – Garante Natasha.
      Ah, tá bom. Escuta, não tínhamos nada para esta noite, tínhamos?
      Não. Que eu me lembre, não. Por quê?
      Por nada. Eu estou só te perguntando porque eu marquei uma consulta, que eu faltei esta semana, para hoje à noite.
      Ah, tá bom... O que é que você está fazendo? O cheirinho está bom. – Diz Natasha, com “água na boca”.
      Eu estou cozinhando uma deliciosa lasanha.
      Hum! O cheiro está ótimo!
      Daqui mais uns dez minutos ela fica pronta. – Conclui Daniel.
Daniel vai à cozinha para verificar o andamento de sua experiência culinária, enquanto Natasha fica na sala aguardando por ele. Ela liga a televisão para ver o noticiário. Na TV, uma notícia sobre um novo assassinato.
      Esta tarde foi registrado mais um assassinato. O assassino, que vem assombrando a cidade, atuou novamente. Ele fez duas novas vítimas. Novamente um casal, que teve os testículos e os ovários extraídos, com cortes cirúrgicos feitos por bisturi. Tiveram, também, golpes de facas e, novamente, foi encontrado um CD da banda, ainda desconhecida, Tragedy. Se alguém obtiver alguma informação sobre o assassino ou sobre a banda de Trash Metal, favor comunicar à polícia o mais rapidamente possível. Paulo Ricardo, para o Jornal 6.
Após o jantar, Daniel levanta-se e vai à cozinha pegar uma garrafa de vinho. Natasha o espera na sala de jantar. Ele retorna com o vinho e a convida para sentarem-se em frente à lareira. Eles sentam-se no tapete. Natasha senta-se entre as pernas de Daniel, de costas para ele e, ele a abraça, como há muito não a abraçava.
      Amor, até perdi a vontade de ir à consulta. Me deu uma vontade de ficar aqui, te abraçando a noite toda. – Diz Daniel, intercalando beijos no pescoço de Natasha.
      É, faz tempo.
      Faz tempo, o quê? – Pergunta Daniel, sem entender o que ela quis dizer.
      Faz tempo que você não me faz um carinho; faz tempo que você não me dá atenção; faz tempo que você não tem tempo para mim... – Diz Natasha, com uma certa solidão em suas palavras.
      É, eu sei. – Responde Daniel, meio sem graça.
      Você podia ficar em casa esta noite, né?
Ele pára, pensa e logo responde:
      Eu bem que gostaria, mas quanto antes eu resolver o problema dos meus pesadelos, mais cedo eu vou ficar equilibrado. E, assim, estando mais equilibrado comigo, eu logo vou estar melhor contigo. – Explica Daniel, que não convence muito Natasha.
      Tá bem. Se não tem outro jeito... – Responde Natasha, com um certo desânimo.
Ele a abraça, beija e diz:
      Eu prometo que eu vou ver no jornal uma ópera para nós assistirmos este fim de semana, tá bom?
      Tá. Mas, eu escolho. – Diz Natasha, já mais empolgada.
      Claro, meu amor! – Diz Daniel, apaziguando.